Incidentes a parte, a mudança foi feita. Andrômeda e Sagitária ainda estavam ajeitando suas coisas, tentando desembalar seu mundo daquelas caixas de papelão, sem perder o pique do dia-a-dia corrido em seus trabalhos. Entre achar a camisa amarela com a qual querem trabalhar ou quase enlouquecerem atrás da gramática que foi, acidentalmente, embalada junto com os romances, elas sobreviveram a primeira semana.
Sexta, quase dez horas da noite, Sagitária sobe as escadas do prédio ouvindo o ecoar dos próprios saltos. Os olhos quase fechando de cansaço, inchados, a maquiagem quase inexistente, havia sido um dia puxado. Parecia que os e-mails não paravam de chegar, que não importava o quanto ela tentasse se focar, apenas o sono acumulado por estar dormindo no chão ainda era centro das suas atenções. Odiava trabalhar com sono, era uma das coisas incontroláveis da sua vida, a vontade absurda de fechar os olhos e se entregar ao torpor...
Conforme subia os lances de escadas, deu-se conta de um barulho de música. Não conseguia distinguir direito de qual andar vinha, mas sua mente já começa a fervilhar com pensamentos de que, se o maldito som fosse audível do seu apartamento, tinha pena do coitado que estava se divertindo. Pois, na melhor das hipóteses, chamaria a polícia. Na pior, iria ela mesma acabar com a farra, e aí era melhor chamarem a polícia, para ela, porque sairia morte.
Dividida entre o desgosto com o barulho e uma certa ansiedade em brigar, que, quem sabe, aliviaria seu cansaço, Sagitária chegou ao seu próprio andar. Com que surpresa se deu conta de que o som vinha de seu próprio apartamento. Apressou o passo e abriu a porta.
Dentro do apartamento estavam pelo menos umas vinte pessoas, acotovelando-se nos poucos metros quadrados da sala, Deus sabe mais quantas estariam na cozinha e no quarto... no banheiro não caberiam mais de duas... o que já era suficiente.
Sagitária correu os olhos pelas pessoas, para seu total desespero, reconhecia apenas algumas. E elas lhe sorriam e erguiam os copos para cumprimentá-la, cumprimento esse que ela não fazia questão nenhuma de retribuir sem descobrir o que estava acontecendo. Levou dois minutos inteiros para distinguir a Andrômeda, em um tubinho preto e saltos finos, que provavelmente seriam arrancados logo por causa dos problemas nos joelhos, muito empolgada em uma rodinha de pessoas, servindo vodka com energético.
Reunindo toda a sua força de vontade, Sagitária não atirou nada na cabeça da amiga, muito menos berrou todas as palavras que lhe vinham a cabeça. Andou com passos firmes até ela e a puxou pelo braço, de maneira não muito gentil, mas bem mas delicada do que gostaria.
- O que diabos, Andrômeda?
- Surpresa!
A menina deu uma risadinha, demonstrando que provavelmente já tinha provado mais da vodka do que deveria, e continuou.
- Festinha surpresa para comemorar nossa casa nova!
- Andrômeda, você está doida? Eu to cansada, eu quero dormir, não essa bagunça toda!
- Ah, logo você pode dormir, pode dormir o sábado todooooooo. Aproveita para se divertir agora!
Sagitária esfregou as têmporas, imaginando se todos iriam embora quando ela cravasse as unhas no pescoço da amiga...
- E quem são essas pessoas que eu nunca vi?
- Ah, eu convidei alguns dos vizinhos pra gente se enturmar... aquele é o Olavo do 304 com a mulher dele, a Sara. Aquela ali é a Bruna, que trabalha no mercado aqui da frente, um amor, como você não lembra dela?
- Andrômeda, você convidou o bairro todo? Encheu a casa de gente que nem conhece??
- É claro que eu conheço essas pessoas! Que ideia... e não seria uma festa se não tivéssemos nossos vizinhos, ué... Inclusive tem um certo vizinho que não te viu ainda...
Ela apontou discretamente com o queixo Rodrigo, o vizinho de porta delas, que estava animadamente conversando com um outro rapaz. Ele estava com uma camisa sem mangas cinza chumbo, que mostrava braços bem torneados...
- Acho que ainda dá tempo de você tomar um banho e voltar a parecer um ser humano... - disse Andrômeda, colocando uma latinha de energético nas mãos da amiga.
Sagitária não disse mais nada e foi até o banheiro. Morar com a Andrômeda era problema, agora ela tinha certeza... Mas nunca fora covarde para fugir de problemas.