segunda-feira, 21 de maio de 2012

5° Episódio: A Festa

Incidentes a parte, a mudança foi feita. Andrômeda e Sagitária ainda estavam ajeitando suas coisas, tentando desembalar seu mundo daquelas caixas de papelão, sem perder o pique do dia-a-dia corrido em seus trabalhos. Entre achar a camisa amarela com a qual querem trabalhar ou quase enlouquecerem atrás da gramática que foi, acidentalmente, embalada junto com os romances, elas sobreviveram a primeira semana.

Sexta, quase dez horas da noite, Sagitária sobe as escadas do prédio ouvindo o ecoar dos próprios saltos. Os olhos quase fechando de cansaço, inchados, a maquiagem quase inexistente, havia sido um dia puxado. Parecia que os e-mails não paravam de chegar, que não importava o quanto ela tentasse se focar, apenas o sono acumulado por estar dormindo no chão ainda era centro das suas atenções. Odiava trabalhar com sono, era uma das coisas incontroláveis da sua vida, a vontade absurda de fechar os olhos e se entregar ao torpor...

Conforme subia os lances de escadas, deu-se conta de um barulho de música. Não conseguia distinguir direito de qual andar vinha, mas sua mente já começa a fervilhar com pensamentos de que, se o maldito som fosse audível do seu apartamento, tinha pena do coitado que estava se divertindo. Pois, na melhor das hipóteses, chamaria a polícia. Na pior, iria ela mesma acabar com a farra, e aí era melhor chamarem a polícia, para ela, porque sairia morte.

Dividida entre o desgosto com o barulho e uma certa ansiedade em brigar, que, quem sabe, aliviaria seu cansaço, Sagitária chegou ao seu próprio andar. Com que surpresa se deu conta de que o som vinha de seu próprio apartamento. Apressou o passo e abriu a porta.

Dentro do apartamento estavam pelo menos umas vinte pessoas, acotovelando-se nos poucos metros quadrados da sala, Deus sabe mais quantas estariam na cozinha e no quarto... no banheiro não caberiam mais de duas... o que já era suficiente.

Sagitária correu os olhos pelas pessoas, para seu total desespero, reconhecia apenas algumas. E elas lhe sorriam e erguiam os copos para cumprimentá-la, cumprimento esse que ela não fazia questão nenhuma de retribuir sem descobrir o que estava acontecendo. Levou dois minutos inteiros para distinguir a Andrômeda, em um tubinho preto e saltos finos, que provavelmente seriam arrancados logo por causa dos problemas nos joelhos, muito empolgada em uma rodinha de pessoas, servindo vodka com energético.

Reunindo toda a sua força de vontade, Sagitária não atirou nada na cabeça da amiga, muito menos berrou todas as palavras que lhe vinham a cabeça. Andou com passos firmes até ela e a puxou pelo braço, de maneira não muito gentil, mas bem mas delicada do que gostaria.

- O que diabos, Andrômeda?

- Surpresa!

A menina deu uma risadinha, demonstrando que provavelmente já tinha provado mais da vodka do que deveria, e continuou.

- Festinha surpresa para comemorar nossa casa nova!

- Andrômeda, você está doida? Eu to cansada, eu quero dormir, não essa bagunça toda!

- Ah, logo você pode dormir, pode dormir o sábado todooooooo. Aproveita para se divertir agora!

Sagitária esfregou as têmporas, imaginando se todos iriam embora quando ela cravasse as unhas no pescoço da amiga...

- E quem são essas pessoas que eu nunca vi?

- Ah, eu convidei alguns dos vizinhos pra gente se enturmar... aquele é o Olavo do 304 com a mulher dele, a Sara. Aquela ali é a Bruna, que trabalha no mercado aqui da frente, um amor, como você não lembra dela?

- Andrômeda, você convidou o bairro todo? Encheu a casa de gente que nem conhece??

- É claro que eu conheço essas pessoas! Que ideia... e não seria uma festa se não tivéssemos nossos vizinhos, ué... Inclusive tem um certo vizinho que não te viu ainda...

Ela apontou discretamente com o queixo Rodrigo, o vizinho de porta delas, que estava animadamente conversando com um outro rapaz. Ele estava com uma camisa sem mangas cinza chumbo, que mostrava braços bem torneados...

- Acho que ainda dá tempo de você tomar um banho e voltar a parecer um ser humano... - disse Andrômeda, colocando uma latinha de energético nas mãos da amiga.

Sagitária não disse mais nada e foi até o banheiro. Morar com a Andrômeda era problema, agora ela tinha certeza... Mas nunca fora covarde para fugir de problemas.

terça-feira, 15 de maio de 2012

4° Episódio: Mudando Parte 2

- Eu sou a Sagitária... - ela respondeu, estendendo a mão. - Estamos nos mudando.

- Eu imaginei.

E ele sorriu de novo, aquele sorriso de comercial de pasta de dente.

- Não se preocupem comigo, imagine, eu estou bem. Obrigada por perguntarem. - Respondeu Andrômeda, ainda no chão, esfregando o joelho esquerdo.

- Ai, querida, desculpa! - balançando a cabeça em sinal de auto-desaprovação, Sagitária estendeu a mão para a amiga.

- Vocês duas precisam de ajuda? - Rodrigo ofereceu, simpático.

- Contanto que não seja como a ajuda que você me deu até agora... - Andrômeda resmungou, entre dentes.

Sagitária apoiou a amiga nos braços, acenando com a cabeça para o vizinho.

- Vou cuidar dela, se você quiser ajudar com as coisas depois...

Diante da resposta afirmativa dele, Sagitária olhou para frente, tentando se concentrar em servir de muleta para a companheira lesionada. Ajudou-a a entrar no apartamento e a sentar em um banquinho.

- Sua amiga toda acidentada, e você paquerando! Bonito, Sagitária!

- Do que você ta falando, hein?

As duas se encararam e riram.

- Tudo bem, ele é gatinho mesmo... - começou a Andrômeda.

- Que triste viver do lado dele, né?

Mais risadas.

- Bom, eu ao menos consegui alguém para ajudar a carregar as coisas, né?

- Isso, isso, invente desculpas para esbanjar charme pelo corredor...

- Seu joelho vai ficar bom?

- Vai, logo para de doer.

- Ótimo, porque preciso ir para o trabalho. Minha dispensa era só para o período da manhã.

- E eu vou ficar com todo o trabalho sozinha?!

- Sorte sua ter folga de segunda, né?

Sagitária se ergueu sorrindo de forma ligeiramente sarcástica, antes de se levantar para ir ao banheiro, arrumar-se como podia para o trabalho que ainda a aguardava. Andrômeda bufou, na sala.

Enquanto a amiga saia serelepe para o escritório, Andrômeda olhou ao redor, ligeiramente desolada. Trabalhos práticos nunca foram seu forte, e a tentação era muito grande de simplesmente não fazer nada, esperando a amiga voltar de noite para continuar.

Algum senso de responsabilidade, saído Deus sabe da onde, impediu a jovem de firmemente ignorar o trabalho a ser feito.

Entretanto, ela MESMA levantar e começar a carregar as coisas era meio surreal. Ao menos na concepção dela mesma. Preferia buscar por uma inspiração divina.

É verdade que existiam muitos amigos que provavelmente não se importariam com o esforço de carregar as caixas escada acima... ou ao menos eram legais o bastante para fingir não se importarem. Mas, claro, não em uma segunda a tarde. As pessoas normalmente têm empregos que exigem sua presença em lugares trancafiados nas segundas a tarde.

Andrômeda tirou o celular do bolso e começou, distraidamente, a olhar os números. Quem sabe algum conhecido esquecido naquela lista não seria uma boa solução.

Diga-se de passagem, ela teria subido quase meia mudança, se tivesse começado a trabalhar, sozinha que fosse, ao invés de caçar ajuda.

Já havia escurecido quando Sagitária finalmente conseguiu voltar ao apartamento. Esfregava levemente as têmporas, sabendo que tinha muito trabalho esperando e que ainda teria que pegar dois ônibus até a sua casa, ou melhor, a casa da sua mãe, para dormir e levantar cedo amanhã. O apartamento novo era mais próximo do seu serviço, mas ainda não havia condições de dormir nele.

Suspirou resignada, e começou a subir as escadas. Viu Andrômeda parada em um dos patamares, distraidamente escrevendo algo em um bloquinho.

- Ei, Andrômeda, resolveu escrever um romance no meio da escada ao invés de continuar a mudança?

- Na verdade, minha cara, eu estou demonstrando que também eu posso ser organizada, e fazendo um controle das caixas que já foram trazidas e o conteúdo delas...

- Que evolução, hein? E foram muitas?

- Bom, poderiam ser mais, mas a mão de obra que eu achei não é especializada, sabe?

- Mão de obra?

Sagitária ouviu barulhos atrás dela e logo dois rapazes subindo com uma caixa, razoavelmente grande. Ela conseguia ver que quem estava segurando a caixa embaixo era justamente Rodrigo, o vizinho. Ficou incrédula com a cara de pau da amiga para chamá-lo, mesmo para ajudar. Andrômeda a puxou gentilmente, para que ela desse passagem para os dois. Só então ela pode ver que segurava a caixa na parte da frente.

Ela olhou, se concentrou, mas não conseguia lembrar quem era. Tinha certeza de que já o havia visto antes...

Subindo logo atrás deles, ela acabou tendo um lampejo de memória.

- Andrômeda... aquele ali não é o corretor que alugou o apartamento?

- É sim... o nome dele é Erick, lembra?

- E por que ele está de moletom carregando nossas coisas?

Andrômeda deu de ombros, com um sorriso que se pretendia ingênuo.

- Liguei para ele e expliquei o acidente que tive... ele se ofereceu para ajudar. Um rapaz muito prestativo.

- Andrômeda, é sério? Você ligou para um rapaz que você viu uma vez só, para bancar a vítima?

- Ah qual é. Eu só liguei para agradecer toda a ajuda dele para alugar... e comentei que eu sofri um acidentezinho aqui. Se ele quis ajudar, eu só posso agradecer, certo?

- Leonina manipuladora!

Ela sorriu sapeca e subiu na frente da amiga. Os dois rapazes já haviam deixado a caixa dentro do apartamento e estavam saindo. Andrômeda sorriu largamente para eles.

- Puxa, obrigada mesmo, garotos!

- Tudo bem... - respondeu Erick - Sua perna está melhor?

- Meio dolorida ainda... mas não estou mais mancando.

- Que bom, será que você pode vir aqui no quarto um minutinho para eu te mostrar uma coisa?

- Claro.

Andrômeda o seguiu até o quarto e o viu tirando uma calcinha de oncinha, minúscula, de cima de uma das caixas.

- Achei caído quando fomos buscar a caixa... pensei que era melhor esconder para não ficar exposto assim...

Ela tomou da mão dele, o sorriso morrendo nos lábios, sendo trocado por uma vermelhidão viva nas bochechas. O sorriso dele, em compensação, foi maroto.

- Eu até estava curioso para saber de qual de vocês duas era... mas acho que agora já sei...